quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Saúde, cansaço e política: o que levou o papa a descer da cruz?



Da cruz não se desce, disse o cardeal polonês Stanislaw Dzinisz, lembrando uma frase de seu conterrâneo Carol Wojtila, o papa João Paulo II. Mas o sucessor de Wojtila, Bento XVI (que, depois de 28 de fevereiro voltará ao nome “civil” de Joseph Ratzinger), desceu, e é difícil acreditar nas razões que alegou na carta que distribuiu nesta segunda feira (11) anunciando a decisão.

Bento XVI certamente ficará na história como o tenaz combatente contra o marxismo, responsável por desmontar a Teologia da Libertação desde o tempo em que esteve à frente da Congregação para a Doutrina da Fé (nome dado à antiga Santa Inquisição desde meados da década de 1960). E que, como papa, teve seu período marcado por uma sucessão de escândalos, acusações de pedofilia, corrupção, falcatruas financeiras, lavagem de dinheiro pelo Banco do Vaticano e por aí vai.

Conservador até a medula, Bento XVI confrontou-se com católicos mundo afora e recusou toda a agenda modernizante que envolve os costumes (do aborto ao casamento homossexual e ao uso da camisinha) ou as demandas internas da Igreja (como o fim do celibato ou o direito de mulheres celebrarem a missa).

Ele fez a opção pela direita ainda jovem. Diz-se que foi durante o levante popular de maio de 1968 que o então sacerdote que, no Concílio Vaticano 2º, havia partilhado de algumas ideias renovadoras, transformou o marxismo em alvo principal, numa virada conservadora que levaria ao papado. 

Esse conservadorismo deu a Bento XVI a glória duvidosa de ser o primeiro papa vaiado em cidades europeias (como Barcelona e Londres, em 2010, e Berlim, em 2011) e na própria Praça de São Pedro, em Roma (2012), por jovens católicos indignados com o silêncio pontifical sobre o destino da jovem católica Emanuela Orlandi, assassinada em 1983, com suspeitas de envolvimento de hierarcas do Vaticano.

Há uma rede de intrigas em torno do papa, que resulta das disputas pelo poder entre grupos de extrema direita que ele próprio fomentou e prestigiou, desde os tempos de Karol Wojtila. Há um ano, o “diário oficial” do Vaticano, L'Osservatore Romano, descrevia o papa como “cercado por lobos”. 

Os lobos eram, tudo indica, desses grupos de direita da alta burocracia católica, alimentados pelo anticomunismo de Ratzinger. E que disputam, palmo a palmo, o poder dentro da instituição. Lá está a todo-poderosa Opus Dei (ligada ao secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcísio Bertone), em choque mortal com organizações como Legionários de Cristo, Caminho Neocatecumenal, Comunhão e Libertação (ligada ao papável cardeal Angelo Scola, de Milão, similar e rival da Opus Dei ligada à direita italiana e ao berlusconismo).

A luta que as consome envolve desde querelas palacianas típicas de monarquias absolutas como o Vaticano, herdeiro contemporâneo deste anacronismo político, até vazamentos de informações sobre escândalos e irregularidades que, no ano passado, levaram à cadeia o próprio mordomo do papa, Paolo Gabriele. O arranca-rabo envolve altas autoridades vaticanas, como cardeais em postos-chave de comando na hierarquia católica. E revela uma fidelidade maior a interesses empresariais e materiais do que à defesa da fé.

Há fortes sinais de que, mais do que à saúde ou à debilidade para enfrentar o desafio de administrar o catolicismo, a opção de Bento XVI (reconhecidamente um político atento) deva ser atribuída à decisão de ter um papel proeminente em sua própria sucessão, dando a ele – que, tudo indica, permanecerá em Roma até a escolha do novo papa – o papel de grande eleitor. 

Pela regra canônica, só votam os cardeais com menos de 80 anos de idade; eles são 117 – todos nomeados por João Paulo II (50) e pelo próprio papa renunciante (67). Entre liberais, conservadores e o grupo que o elegeu em 2005 para o papado, Bento XVI tem forte chance de manobrar e influir na eleição de um sucessor que dê prosseguimento à orientação conservadora que marcou sua passagem pelo trono de São Pedro. 

Sucessor que vai gerir uma Igreja cada vez mais alheia aos anseios do mundo moderno e que, logo no primeiro ano sob Bento XVI, foi ultrapassada em número de fiéis pelo islamismo. Em 2005 havia 1,3 bilhão de muçulmanos no mundo, contra 1,1 milhão de católicos. E quase 800 milhões de pessoas que se declararam sem religião. No Brasil, maior país católico, esse decréscimo vem preocupando a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil: ao passar de 93% da população em 1960 para 65% em 2010 – isto é, em nosso país a Igreja Católica perdeu cerca de um cada três de seus seguidores. Editorial do Portal Vermelho


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