domingo, 27 de maio de 2012

Minhas raízes e o fim do mundo


Em Santa Maria não existia comunicação com o resto do mundo, até o dia que meu pai que era seringueiro de crédito, conseguiu comprar um rádio de pilha marca telespak. Foi uma grande revolução e uma confusão; a gente não conseguia entender como aquele "bicho" tipo uma caixa de madeira conseguia falar.

As 05 horas da manhã, antes de sair para a estrada, minha mãe ligava o radio e sintonizava as rádios nacional, Radio Trans mundial, Baré, Rio mar, Tefé e outras. Não faltava uma voz falando em espanhol e atrapalhando a sintonia. O povo na região dizia que eram peruanos que gostavam de se intrometer onde não eram convidados.

Na programação da madrugada sempre era transmitida tal profecia de Padre Cícero Romão e Frei Damião em versos de cordel. A mensagem anunciava de forma catastrófica e assombrosa os horrores do fim do mundo. Trechos da profecia:


Fei Damião nos avisa
Que ja estamos no fim da era
Precisamos se livrar
Dos laços da besta fera
pois ja está no mundo
Fazendo estrago de vera.
Essa é a lição pregada
Por nosso Frei Damião
Seguindo as lições dos mestres
Que provaram ter razão


Assim o mundo agoniza
Pra estourar num vulcão.
Pois Frei Damião lembrou
O fim do mundo presente
É em 2000, mais ou menos
Pra ateu e para crente
E quem sorrir do aviso
Vai se acabar no quente.

O locutor repetia à profecia todas as manhãs. Dizia que quando o sol começasse nascer encarnado no poente, era começo do fim, o mundo acabara em fogo. Ouvindo aquilo a gente ficava tremendo de medo, saia para cortar seringa com medo de o mundo acabar e não encontrar mais a família.

Num determinado dia, por volta das 20:00 horas da noite, estevávamos todos na cozinha sentado na paxiúba fazendo o pirão para jantar, de repente... Um estrondo “vindo do céu” começa se aproximar. O barulho jamais ouvido na região vinha chegando do alto por traz de um pé de Cumaru. Naquele momento não tínhamos dúvidas, o mundo estava se acabando.

No desespero, meus pais chamaram todos os filhos para ajoelhados, dar as mãos, recomendar-se a Deus e se despedir. O estrondo foi chegando e cruzou por cima da casa que estremeceu os barrotes- e foi se distanciando, até desaparecer completamente. O silencio voltou a reinar. Os sapos, os grilos, os ratos coró e as corujas votaram a entoar seus cantos. Ficamos a noite inteira acordados e aflitos sem saber o que realmente havia acontecido.

No dia seguinte não saímos para o trabalho, ficamos a procura de informações no rádio e na vizinhança sobre o estrondo da noite anterior. O radio continua falando da profecia, mas não mencionou nada do que queríamos entender. Os vizinhos também não souberam explicar.

A situação só foi normalizada uma semana depois. Um marreteiro de couro de gato chegou a nossa casa e desvendou o mistério: O barulho que pensávamos ser o fim do mundo era um avião que cruzou o céu a noite na região . Tudo voltou ao normal e reiniciamos a peleja na floresta de Santa Maria.


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